Suas nudes vazaram? NÃO é culpa sua

por Nathalia Gorga

O vazamento de nudes ou de sexting – conhecido como pornografia de vingança ou revenge porn é algo comum atualmente. Quem nunca ouviu falar ou até mesmo recebeu fotos ou vídeos de famosas ou conhecidas sem roupas, em momentos íntimos?

Coloco as palavras no gênero feminino porque isso acontece, principalmente, com mulheres: de acordo com uma pesquisa da ONG SaferNet,  das denúncias sobre esse crime, 81% são de mulheres; 16%, de homens e 3% das vítimas não tiveram o gênero identificado. No mesmo ano da pesquisa sobre gênero, o número sobre o crime em si também gera surpresa, nada agradável, diga-se de passagem: a SaferNet atendeu a 224 casos, um crescimento de 120% com relação a 2013, período em que receberam 101 ocorrências.

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Ilustração: Sean Morris (sean-morris.net)

Sim, a palavra que eu usei foi crime. É um crime digital, que tem como definição: “qualquer conduta ilegal, não ética, ou não autorizada que envolva o processamento automático de dados e/ou transmissão de dados”, o que ocorre quando uma pessoa envia imagens de outra, pelo computador, celular e etc, sem a permissão dela, a constrangendo, humilhando, expondo.

Essa exposição não autorizada faz com que as pessoas se coloquem contra a vítima por defenderem a “a moral e os bons costumes”. A gente sabe como é: a vítima ouve “Olha isso, que vagabunda”, “Nossa, que louca por ter feito isso”, “Sabia que era uma puta” etc. Mas não são só palavras ao vento: essas frases violentas alcançam a alma de quem as escuta.

 Das denúncias sobre esse crime, 81% são de mulheres; 16%, de homens e 3% das vítimas não tiveram o gênero identificado.

Para quem pensa que isso é “blábláblá” ou “conversinha de mulher”, pense duas vezes: a pornografia de vingança ou o vazamento de nudes podem deixar a vítima depressiva, acreditando que sua vida acabou ou que nunca encontrará alguém que a ame, sempre com medo de encontrar o passado, que a condena (de acordo com a reação da nossa sociedade), em uma única foto. Larissa Mendes (nome fictício), 21, é uma prova viva do que esse crime pode fazer contra uma mulher.

Ela viveu essa situação em 2013, quando tinha 17 anos, e ficava frequentemente com um menino de sua escola. Os dois viajaram para Campos do Jordão e, em uma festa, Larissa ficou bêbada. Os dois foram para o hotel dele, onde chegaram às preliminares – e isso é tudo o que ela lembra. 

Depois de 6 meses uma amiga contou que havia uma foto de Larissa sendo compartilhada, o que a jovem logo relacionou com a experiência de Campos do Jordão, pois havia sido a única vez que ela tinha ficado com um menino e não lembrava. O sentimento naquele momento, como ela mesma diz, foi indescritível. Em sua voz, a raiva transparece: “Eu fiquei muito mal. Apesar disso fazer 4 anos, é uma marca que nunca vai cicatrizar. No primeiro mês, eu não queria sair do meu quarto, porque pensava que todo mundo ia olhar para mim”.

Quando Larissa pediu explicações para o menino, a resposta foi que ele havia tirado a foto naquela noite, mas a culpa dela estar sendo espalhada era dos amigos, pois eles pegaram seu celular e compartilharam nos grupos de meninos no Whatsapp. Larissa tem uma palavra para definir quem fez isso: “Um monstro”, e repete: “Juro, um monstro”. Ela preferiu não tentar achar culpados e até hoje não sabe se quem a expôs foi ou não o menino com quem ela se relacionava, o que ela queria mesmo era se resolver consigo mesma.

“Eu fiquei muito mal. Apesar disso fazer 4 anos, é uma marca que nunca vai cicatrizar. No primeiro mês, eu não queria sair do meu quarto, porque pensava que todo mundo ia olhar para mim” – Larissa Mendes (nome fictício), 21, teve nudes vazadas aos 17 anos.

Ela não processou ninguém por dois motivos: primeiro, porque acredita que a justiça no Brasil é “muito falha”, e segundo por não poder contar com o apoio dos pais. É que a jovem vive em uma estrutura familiar rígida: a mãe de Larissa é extremamente católica, os pais são casados e “super certinhos”. Ela tem medo da reação deles e, assim como essa experiência, outras não foram ditas (ela preferiu não falar que perdeu a virgindade ou que estava bebendo).

Na época, a adolescente não fez terapia, mas tentou esquecer da mesma forma que havia esquecido o que tinha feito naquela noite: com bebidas alcóolicas. Foi muito tempo depois que ela começou a ir na psicóloga, que a ajudou muito em relação à autoestima. “[Meu mal estar] estava totalmente relacionado com o vazamento da foto. É um trauma muito grande. Até hoje eu acho que ninguém nunca vai me amar, porque ‘afinal, eu sou a vagabunda que tem foto íntima por aí, né”. Além disso, Larissa também acha que seu sonho profissional está ameaçado: “Eu sempre sonhei em ser política, mas sei que não posso, porque se eu, algum dia, for famosa… Tenho muito muito muito medo disso cair na mídia”.  

“[Meu mal estar] estava totalmente relacionado com o vazamento da foto. É um trauma muito grande. Até hoje eu acho que ninguém nunca vai me amar, porque ‘afinal, eu sou a vagabunda que tem foto íntima por aí, né” – Larissa (nome fictício).

Depois de ter passado por essa situação e continuar com muitas feridas abertas, ela tem certas opiniões sobre o assunto: “O principal deveria ser o combate ao fato das pessoas banalizarem essa prática de compartilhar as imagens pensando que, como já vazou, então tudo bem repassar. É horrível falar isso, mas eu mesma quando estava na 8ª série vi um vídeo de uma menina fazendo um oral e mostrei para todas as minhas amigas. Na época, eu nunca ia pensar na dor da menina, nem do menino, mas mais da menina. Eu não compartilhei com má intenção, foi mais pelo choque. Depois do que eu passei, pensei: ‘como eu pude espalhar?”.

Depois de ter passado por isso, Larissa começou a refletir sobre os comentários em grupos femininos e até feministas. “Não mandem nudes, porque se vazar sua vida acaba”, é uma das frases que a garota mais lembra de ter visto: “Mesmo não sendo por mal, isso acaba sendo um gatilho para quem passou por isso”, aponta. Ou, em outras ocasiões, nas quais a menina relata o que aconteceu e mostra a foto dela que vazou, é comum as outras falarem: “Pelo menos você estava gostosa”. Sobre isso, Larissa tem uma resposta pronta: “Eu acho muito pesado esse tipo de comentário. Não é assim”. 

Larissa ainda tem medo, mas maior do que ele é a sua força, uma força de mulher, cheia de vida e com fotos lindas, que não mostram a beleza de sua alma, assim como a imagem que vazou sem sua autorização.

Há, também, os comentários que se assemelham aos dos homens: “Que vagabunda”, “Puta”, “Mereceu” – o que é ainda mais cruel, pela falta de empatia que isso representa entre as mulheres, falta da prática de sororidade e esta sim deveria ser reforçada e cada vez mais disseminada, porque ouvir de outra mulher o que se escuta de homens dificulta ainda mais o processo de recuperação, de superação.

Larissa ainda tem medo, mas maior do que ele é a sua força, uma força de mulher, cheia de vida e com fotos lindas que mostram a beleza de sua alma – ao contrário da imagem que vazou sem sua autorização.

Lembre-se que, em caso de vazamento de nudes e outros materiais íntimos, A CULPA NUNCA É DA VÍTIMA, é do agressor – que também é um criminoso.

Aqui vão alguns sites para te ajudar caso você ou suas amigas sejam vítimas do crime digital:

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Nathalia: 22 anos, aquariana que gosta de ter muitos peixes em suas águas, o que significa amores, ideias, inspirações, vontades e sonhos… Três paixões: Claudia, Clarice e Cássia. Dois prazeres: ler e conhecer (pessoas, lugares, comidas). Um vício: escrever.

 

2 comentários

  1. Sou casada, 27 anos de idade, tive um áudio e uma foto vazada. No dia fiquei apavorada, mas depois só pensei: ah! Se as fotos que vazaram são boas, tá ótimo kkkk não me preocupo não. Afinal quem nunca viu uma mulher de lingerie neh!? Kkk sigo tranquila. Pensei até em fazer um book sensual, pra esses FDP verem o que é ser uma mulher sem mimimi!

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